Em abril de 1977 eu era um adolescente de 15 anos. Educado em 2 dos melhores colégios da cidade, membro de um grupo jovem da Igreja Católica, participante frequente de retiros para estudos de liderança cristã, filho de um pró-reitor da UFPE em plena ditadura, testemunha ocular e auricular de variados debates políticos na minha casa com a presença de quilates tipo Severino Cavalcanti, Sergio Guerra, Cid Sampaio, entre outros. Também já havia sido iniciado na leitura das encíclicas papais de cunho social como Rerum Novarum, Mater et Magistra, etc. Enfim, tudo para ser um coxinha. O que deu errado, meu Deus?
Entre muitas outras coisas que me fizeram ao longo dos 7 anos seguintes caminhar em direção ao espectro político oposto, identifico o Pasquim, o qual lia por diversão, mas que deixava incômodas pulgas atrás de minhas orelhas, e um conjunto de fotos de algum órgão de imprensa que não recordo qual sobre o fechamento do Congresso. Naquele mês, mais precisamente no dia 1º de abril, o general-presidente Ernesto Geisel, amparado pelos atos institucionais promulgados pelo regime militar, fechou o Congresso Nacional por 14 dias (1). O período era eufemisticamente chamado de Recesso. Durante ele, alterou substancialmente as regras do jogo, instituindo entre muitas outras coisas a figura do Senador Biônico que nada mais era do que uma forma de barrar o avanço da oposição ao regime militar. As fotos, com seus militares nas ruas de Brasilia e os corredores do Congresso vazios foram para mim mais eloquentes do que qualquer discurso. Compreendi, num átimo, que toda a capa de legalidade democrática com a qual se procurava revestir a ditadura era uma farsa. Até então, apesar de estranhar o fato de não se poder votar para prefeito de capital, governador de estado e presidente da República, aceitava o discurso de que havia eleições e escolhíamos nossos representantes, logo, havia democracia. Apenas seguíamos um modelo, através de leis, diferente de outros países. Naquele mês, compreendi que apesar de legal, pois se apoiava nos AIs, o ato do presidente não era justo. Foi ali que finalmente me caiu a ficha, o fechamento do Congresso desvelou o verdadeiro caráter do regime para alguém que era jovem demais para tomar ciência ou compreender os primeiros anos do golpe militar.
Sexta feira passada, presenciamos a mesma atitude autoritária que se repete vez por outra no Brasil desde a proclamação da República. Há certamente um conjunto de leis que respaldam parcialmente as atitudes dos operadores da Lava-Jato, enquanto outras decisões são flagrantemente ilegais. A condução coercitiva de alguém que sequer foi intimado a depor, logo não poderia ter-se recusado e finalmente obrigado, é um ato – além de brutal, autoritário, desmedido – acima de tudo ilegal. De nada adianta argumentar que já se fez o mesmo com mais de uma centena de investigados, só piora, e revela o real caráter justiceiro e inquisitorial da operação. Revela também que, ou as instituições responsáveis para controlar os desmandos e excessos do aparato jurídico-policial estão de joelhos diante de um juiz de primeira instância, ou estão de acordo com a ilegalidade e autoritarismo desmedido do Estado contra nós, cidadãos. É grave. A nota do Juiz Sergio Moro argumentando que o fez para preservar a segurança do presidente Lula é simplesmente cínica. Não vale sequer comentar um argumento tão hipócrita.
Esta semana começa a ganhar corpo na sociedade a compreensão de que toda essa operação, em clara parceria com nossa mídia golpista, visa na verdade a aniquilar o projeto de país iniciado pelos governos do PT. Os elementos começam a evidenciar que trata-se verdadeiramente de uma ação que atende exclusivamente aos interesses geopolíticos americanos (2). Aos que acham que isso não passa de devaneio conspiratório, lembro que o mesmo argumento era posto diante da acusação de interferência dos americanos no golpe de 64 e que hoje sabe-se a verdade através de documentos dos próprios.
A Moral dessa história toda é, se tem cara de jacaré, pele de jacaré, tamanho de jacaré, não é chamando de lagartixa que deixa de ser jacaré. Se duvidar, experimenta cutucar a lagartixa.
(1) https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&cad=rja&uact=8&ved=0ahUKEwiehePHzLPLAhVLI5AKHVjVBncQFggdMAA&url=https%3A%2F%2Fcpdoc.fgv.br%2Fproducao%2Fdossies%2FFatosImagens%2FPacoteAbril&usg=AFQjCNG79Ed6pbtWNLp6Hc2H_TqTq1zoRA&sig2=5Ldpi9a8vQl6_PYW4euIeA
(2) http://jornalggn.com.br/noticia/lava-jato-tudo-comecou-em-junho-de-2013